sábado, dezembro 15

Loucura

"Escuta-me: não se ama uma velha... uma criatura eferma... uma criatura disforme... O amor que devia ser um sentimento todo da alma, é um sentimento só dos sentidos. Ama-se porque é bom amar... esvairmo-nos na derramação de um líquido peganhento... asqueroso... O amor é uma distracção... como o teatro... como as festas da igreja... Ama-se uma mulher porque ela é linda... por causa dos seus cabelos, dos seus olhos, da sua boca... de todo o seu corpo... Pode-se amar uma mulher feia pelos seus vicios estonteantes, perversos... Ah! mas ninguém ama um corpo sem fogo, um corpo de carne mole e repugnante; ninguém beija um rosto sem nariz... uns olhos cegos, uns lábios contraídos na crispação de uma ferida mal cicatrizada... Pois bem! Fosses tu cega, fosse o teu corpo todo uma chaga e eu amar-te-ia com todo o meu amor... com maior amor!" "porque todo o tempo será para ver a tua alma..."

in Loucura de Mário De Sá-Carneiro
É fantástico como uma loucura pode fazer tanto sentido...
A insatisfação da carne, o amor condicional...
Não sei já se fui amada, se quero amar...
No fim tudo fica reduzido a um corpo, ao desejo...
Que é feito da beleza, da pureza que outrora senti?
Estará perdida no tempo?
Quero encontrá-la outra vez...

segunda-feira, dezembro 10

Sossega, coração! Não desesperes!

"Sossega, coração! Não desesperes!

Talvez um dia, para além dos dias,

Encontres o que queres porque o queres.

Então, livre de falsas nostalgias,

Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!

Pobre esperença a de existir somente!

Como quem passa a mão pelo cabelo

E em si mesmo se sente diferente,

Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!

O sossego não quer razão nem causa.

Quer só a noite plácida e enorme,

A grande, universal, solente pausa

Antes que tudo em tudo se transforme."

Fernando Pessoa, 2-8-1933.

quarta-feira, novembro 14

Faz aquilo que te faz sentir bem



Faz aquilo que te faz sentir bem

Partilha com quem te faz sorrir

VIVE o agora

sábado, novembro 10

O meu coração quebrou-se

O meu coração quebrou-se

Como um bocado de vidro

Quis viver e enganou-se...


Fernando Pessoa


quinta-feira, novembro 8

nada sinto, nada sofro




















Nada sinto.

Sim, não sinto nada.

O meu coração continua com fortes palpitaçoes dentro de mim

Espera ser notado

Mas eu já não o sinto

Perdeu a voz

Não que se tenha calado de vez, pois ele continua a gritar embora afónico num esforço vão...

Apenas não o quero ouvir...

Desliguei lhe o som

Já não me conduz os passos

O coração cega, manipula...

destrói-nos por dentro e pensa que está certo

Como se o coração pensasse...

Ele apenas age de acordo com o que sente...

Vai ao encontro daquilo que ama

Mas o que ele ama pode fazer-lhe mal

O coração é masoquista

O coração é egoísta

O coração não pensa!

Não distingue já o correcto do errado

O coração é tonto e impulsivo

Impossível de equilibrar

Por isso desligo-lhe o som...

E assim fico, sem dor...

domingo, outubro 28

Deve chamar-se tristeza



"Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.
Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.
Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó. "
Fernando Pessoa

Manipulação Incoerente



Fazes me pensar quando não quero
Fazes com que todo o martírio me invada
Mesmo quando apenas quero dormir sossegada!
Desabas-me o mundo quando dele não me quero lembrar
e toda a tristeza cai sobre mim...
És cruel...
Destróis
Desconcertas
Quando tudo parece perfeito tiras me tudo
E tudo é vazio
A dor permanece mas tudo se foi
Entretens-te com a minha vida como se de um jogo se tratasse
A preversidade é a tua doença
Mas é a mim quem ela consome
Nesta tua manipulação incoerente
onde luto pela felicidade

quarta-feira, agosto 29

perturbação persistente


Desaparece ser invisível que me persegue
Estás a esgotar-me a mente
Sai de dentro de mim
Metes medo aos afortunados de espírito
E és conhecido por entre os esgotados de alma

Não sei por que nome te evoque
Nem sei porque me importunas
Mas fazes parte de mim
És o fantasma que me assombra a consciência
E me tira o sentido desta vivência
Desaparece!
Os teus pensamentos ecoam na minha cabeça como murmúrios…
Cânticos desassossegados que parecem ter no meu tormento o prazer supremo das suas vivências

Desaparece!
Não ouves ou não queres ouvir as minhas suplicas sofridos por sossego
Apenas quero nada sentir
Estar quieto sem tormentos que me distróem a alma
Já só peço isso
Nada de sonhos, de esperança, de tranquilidade, de amor
Já só peço o vazio
O nada
Tal é o tormento que me causas

Desaparece apenas!

domingo, agosto 19

momentos















Há momentos dificeis de explicar.
Momentos que nos libertam a emoção
Que nos deixam sem palavras e nos fazem perceber a beleza da existência.
Como é bom sentirmo-nos felizes...
É para isso que existimos.
Para nos sentimos em casa
Porque apesar da Felicidade plena não existir,
estes pequenos momentos servem para nos encher as entranhas de satisfação pura
e é tambem nestes momentos que é mais dificil partir
A saudade aperta mesmo antes da despedida
Queremos guardar esse momentos que tanto nos marcam
Dói saber que amanhã deixam de existir



F.Pessoa disse "...sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura."

Quero alterar essa frase e dizer: Sou do tamanho do que sinto e não do tamanho da minha altura. Porque quem sente vê com os olhos da alma e não com os da cara. Nem tudo o que observo me toca, mas tudo o que sinto causa impressões em mim, sejam elas boas ou más, mas reais e puras. E é com sensações que se vive no sentido real da palavra e não com imagens. As imagens servem como memórias de sentimentos. Não posso ser algo que nada me diz...



sábado, julho 21

elogio ao amor puro

"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra.· O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. "

Miguel Esteves Cardoso

segunda-feira, julho 16

Pensar é estar doente dos olhos


"Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele,

Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência não pensar"

Fernando Pessoa




Uma vez disseram-me que pensava demasiado.

"E isso é mau?" perguntei.

"É. Se pensarmos demais sobre as coisas elas perdem a beleza. Temos de sentir mais, viver mais."

quarta-feira, julho 11

Estou cansado


"Estou cansado, é claro,

Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.

De que estou cansado, não sei:

De nada me serviria sabê-lo,

Pois o cansaço fica na mesma.

A ferida dói como dói

E não em função da causa que a produziu.

Sim, estou cansado,

E um pouco sorridente

De o cansaço ser só isto —

Uma vontade de sono no corpo,

Um desejo de não pensar na alma,

E por cima de tudo uma transparência lúcida

Do entendimento retrospectivo...

E a luxúria única de não ter já esperanças?

Sou inteligente; eis tudo.

Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,

E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,

Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa."



Álvaro de Campos

quinta-feira, junho 28

Perturbação


Não sei que fazer com esta inquietação
Já não é apenas tristeza mas uma inquietação…
Que é isto que me destrói por dentro e me perturba o mundo?
Este desassossego que me aniquila e me não deixa sã

Sussurram-se-me pela cabeça adentro demências, loucuras...
Não sei como livrar-me delas…
Arruínam-me a lucidez, iludem-me a razão
Perturbam-me a alma!
Corroem-me o espírito e me conduzem à insânia

terça-feira, junho 26

Sinfonia de uma Noite Inquieta



«Dormia tudo como se o universo fosse um erro; e o vento, flutuando incerto, era uma bandeira sem forma desfraldada sobre um quartel sem ser.
Esfarrapava-se coisa nenhuma no ar alto e forte, e os caixilhos das janelas sacudiam os vidros para que a extremidade se ouvisse. No fundo de tudo, calada, a noite era o túmulo de Deus (a alma sofria com pena de Deus).
E, de repente - nova ordem das coisas universais agia sobre a cidade -, o vento assobiava no intervalo do vento, e havia uma noção dormida de muitas agitações na altura. Depois a noite fechava-se como um alçapão, e um grande sossego fazia vontade de ter estado a dormir.»

in O Livro do Desassossego composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de lisboa - Fernando Pessoa